sexta-feira, 20 de maio de 2016

O CAOS É O ESPAÇO CÊNICO PARA A RESISTÊNCIA

"Na verdade, é mais desafiador encontrar a resistência necessária para uma tarefa "fácil" do que para uma tarefa difícil". (BOGART, 2011, p. 145)



E na verdade do espetáculo "Sente-se se Puder" restou apenas a cadeira, não será mais um espetáculo. Ocorre que nessa aula nosso objetivo foi o de mais uma vez "rascunhar" todas as cenas para que, a partir da encenação pudéssemos continuar com essa construção, contudo, excepcionalmente nesse dia a poética não surgiu, nossa atuação estava sem forma e vazia, desconexa de nós, do outro, das cenas, um verdadeiro caos. 

      A proposição inicial era exatamente de criarmos, desenvolvermos, construirmos um espetáculo conforme manda o figurino: pensando sobre ele, improvisando sobre ele, resgatando o fogo das cenas como na primeira vez. A ideia era de que a repetição nos traria a apropriação e essa espontaneidade traria a mesma energia pulsante de como foi no começo, mas não. Erramos. 

     No fim do nosso "teatro do vazio", bem no meio no círculo restou um eco silente de angústia. Sabíamos que não estávamos ali. Melhor eu dizer de mim. Eu sabia que eu não estava ali, nem a Clarice e nem do Diogo estavam estavam ali, foi desesperador trabalhar com a ausência e não com a substituição, apesar de eu ter arriscado me usar dos recursos desse último. Sendo esta a segunda cena, posso inferir que um dos motivos pelos quais a desmotivação pairou, decorreu-se do fato de trabalharmos com as ausências. Sim, tivemos outras. Não estávamos preparados para isso. 

      Discutindo sobre esse trágico momento a professora sugeriu que abortássemos o espetáculo e nos deu boas razões para isso, algumas já citadas, no primeiro parágrafo. Aqueles motivos precisariam ser esmiuçados, descortinados, fragmentados, enfrentados, cuidados para então gerar uma expressão no mínimo conveniente e esse "trabalho sobre o trabalho" demanda o tempo do qual não dispomos.

     Recorto um fragmento de Bogart (2011, p. 143) que elucida essa construção de uma "expressão adequada" quando estamos expostos às anormalidades cotidianas:

"Arte é expressão. Ela exige criatividade, imaginação, intuição, energia e reflexão para capturar os sentimentos soltos da inquietação e da insatisfação e condensá-los em uma expressão adequada. O artista aprende a concentrar em vez de se livrar da discórdia e da perturbação do dia a dia. É possível transformar a messa irritante de frustrações cotidianas em combustível para uma bela expressão." 

        Em suma, a autora afirma que é possível sim, utilizar-mo-nos esse caos como combustível para a criação. É exatamente do caos que a criatividade acontece. Conforme sempre ouvimos nas aulas, Viola Spolin defende o caos como potenciador da criatividade, como propulsor de um rearranjo, de uma problemática de jogo instantânea que gera a pulsão, a dilatação e a organicidade, mas recortar essa realidade dos jogos e anexar na realidade dum espetáculo pode ser uma experiência enriquecedora, mas não para agora. 

       Infelizmente a fé de que o tal espetáculo vai se constituir não basta, existe uma trajetória que precisamos considerar, no entanto, a insatisfação gerada ao ouvir a doída notícia posso inferir que se justifica pelo apego do que construímos. Imagina, fizemos o trabalho de criar a estrutura de jogo, imprimir falas internas, ensaiar, nos dedicar (uns sim e outros não) e de repente, esse material não ser mais último para o tal propósito - será último para a outra ideia que surgiu. 

      Uma ideia ótima foi colocada: ao invés de fazer o "Sente-se se puder" um espetáculo, podemos usar esse evento para improvisos, na hora, com regras de jogo criadas na hora, com a estrutura spoliana sugerida pela plateia imediatamente, afinal a nossa pulsão está ali, ali é que nosso corpo funciona bem. Para agregar à ideia, mais outra sugestão: para que não percamos o nome do espetáculo, uma regra de jogo pode ser que todas as improvisações precisem da cadeira. Ideia de PH, nosso colega experiente. 

    Particularmente eu adorei as ideias, mas tive dificuldades de aceitar o recomeço. Mas depois entendi que teatro é isso, que estamos tratando de um PROCESSO, e o processo é um caminho que se faz e se desfaz o tempo todo, que se constrói e se desconstrói para então dar espaço ao novo. Agora isso é claro para mim, mas na hora não foi, nem pra mim e nem para muitos dos colegas. Houve um leve momento de discórdia e desestímulo. Sobre isso, recorro mais uma vez a Bogart (2011, p. 142):

"... nos momentos de discórdia de desconforto, no instante em que nos sentimos desafiados pelas circunstâncias, nossa tendência natural é parar. Não pare. Tente aceitar o necessário desconforto que a luta com as circunstâncias presentes produz. Use esse desconforto como estímulo para a expressão concentrando-se nele." 

      É um pensamento visionário. O teatro veio para me dilacerar mesmo, para me por à prova, para de desafiar. Quando que no meu cotidiano eu iria pensar em sã consciência que eu preciso me concentrar no desconforto para não parar. Isso é terapêutico! 

     As cenas estão esmorecidas, não estão vindo como pulsão, o que fazer? 

"... admita que as resistências que se apresentam vão reforçar imediatamente seu compromisso e gerar energia nesse empenho. A resistência exige ideias, provoca curiosidades e a agilidade mental e, quando superadas e utilizadas, acabam em entusiasmo. Em última análise, a qualidade de qualquer trabalho se reflete na dimensão dos obstáculos encontrados. Quando se assume a postura certa, a alegria, o vigor e as conquistas serão os resultados da resistência enfrentada e não evitada."
(BOGART, 2011, p. 140)

      "Quando se assume a postura certa"... esse é o resultado do caos, da resistência, encontrar uma saída, talvez uma porta para o incerto, mas ao passarmos por essa etapa já nos livramos de expectativas, já sabemos que a porta nova na qual podemos nos adentrar pode simplesmente ser o caminho para um novo recomeço e o que gera a necessidade de recomeço? O caos! 

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Referência


BOGART, Anne. A preparação do diretor: sete ensaios sobre arte e teatro. São Paulo: Wmf Martins Fontes, 2011.

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