sábado, 28 de maio de 2016

A INSEGURANÇA É PULSÃO QUE O PALCO PRECISA

Não importa quem somos, o que temos, quais as nossas limitações, nossos defeitos. O teatro preciso de tudo isso. 

É preciso se expor 
O erro é preciso 
É preciso a surpresa
O risco é preciso. 
É preciso coragem 
A disposição é preciso:
de viver o desconforto 
o desequilíbrio 
o ruido. 
O teatro precisa 
dos medos mais temidos
dos anseios mais esperados 
e da não-expectativa. 
Precisa também de ensaio
mas muito mais do inseguro 
do apuro 
do obscuro
do incerto
do incorreto
do deslineado 
do manchado 
do sujo
do desconstruído
e sempre... do ruído. 

Allan Maykson
28 de maio de 2016

A timidez, certamente, é um grande desafio no trabalho atoral, é visto como um grande obstáculo na vida cotidiana. A timidez é uma verdadeira barreira para vivermos experiências. Costumamos ouvir que faz teatro quem não é tímido, em contrapartida costumamos ouvir também que o teatro faz bem a pessoas extremamente tímidas. E faz sim, mas o teatro não elimina a timidez, assim como ele não está preocupado em excluir traços de personalidades dos que entram nesse mundo, ele busca potencializar ou resignificar, logo, o teatro precisa de tudo que somos e temos, precisa de nós por completo, tudo que negamos¹ em nós será útil no teatro. 

      Pela timidez, uma urgência que despontou a partir da possibilidade de improvisação ao vivo na abertura de processos criativos, a professora preparou com sabedoria o estudo do capítulo "Timidez", do livro "A Preparação do Diretor", de Anne Bogart, sobre discorremos mais tarde.

       Também propôs três procedimentos: (1) b
rainstorn de quem, onde o quê, que partiu da observância de que focamos sempre nas regras, e não nos outros agentes do jogo, a ideia é fazer circular proposições e ampliar repertório para todos; (2) escrever os pensamentos desse quem em cena, antes de entrar, porque essa preparação nos pluga internamente antes de encenar; (3) utilizar das caracterizações, porque estimulam associações e criações de outros "quens". 


      O bom "o quê" é  o que traz problema para resolver. As pessoas se concentram na resolução de problema, o que traz a criatividade. Esse problema precisa ser resolvível e só vamos saber a solução improvisando. Podemos ter a regra de fim, ex.: final tem que ter o abraço.


O Brainstorm



1. Os enfermeiros, um calmo e outro agitado.
Quem: alguém com fobia de tirar sangue,
Problema: quem vai conseguir tirar sangue.
Um dos enfermeiros também tem medo de tirar sangue dos pacientes.

2. As "dregs" andando de Skate no estacionamento do shoping.
Problema: fugir do segurança homofóbico.

2. Menina apaixonada preparando um jantar para o garoto.
Quem: menina que não sabe cozinhar.
Resolução: pedir pizza - regra de fim.
Problema: Ele não gosta da comida, como dizer pra ela?

3. Branca de neve não cabe na cama.
Regra: Andar de joelho.
O quê: Os anões tentarem conquistá-la. Problema de jogo.

4. Dar uma notícia importante para alguém surdo.
O interlocutor não sabe a Língua de Sinais.

5. Excursão numa casa mal assombrada.
As pessoas vão sumindo um por um.
O  "o quê" não pode ser a excursão, tem de ter um problema de jogo: precisam achar a saída da casa.

5. Claustrofóbico indo para o psicólogo e fica preso no elevador.

6. Um cego acha um mapa do tesouro. Pergunta a um surdo.

7. Zumbi que quer pedir informações, mas todos morrem de medo.

Dar espaço para o contexto familiar, para questões raciais, a mulher. Não precisa entrar no palco só para fazer rir. Podemos tratar de problemas cotidianos também, que tenham uma mensagem, um recado para o espectador. 

8. contar para os pais que é gay.

9. Quatro amigas, uma delas ficou com o namorado da outra. Qual foi?
O quê: Uma descobre que uma delas está grávida


10. Uma das amigas ficou grávida. O pais não quer assumir. As outras amigas dão conselhos para esta contar para os pais, que certamente não vão aceitar. 
Precisamos focar na "Ação do momento": como ela vai contar para os pais. O conselho não tem um conflito. É importante ter o conflito entre dois, por exemplo: o pai não aceita o filho. 

11. Monte de amigas se arrumando num quarto de uma só, chega o namorado de uma e vê o teste de gravidez no banheiro e ele tenta descobrir de quem é porque ele já ficou com todas. Ele tem de descobrir. 
Fica perguntando: vai beber? Por que não vai beber? 
Nenhuma delas pode falar que está grávida.

12. Duas amigas, uma engravidou do namorado da outra. As duas estão chateadas.
Uma vai contar para a outra: estou grávida do seu namorado.

13. Grupo de irmãos dividindo a herança da mãe que acabou de morrer. A queridinha, a irmã que ficou de lado, o irmão que quer tudo.

14. Dois policiais indo contar para a família que o filho faleceu. Um policial é bom, sensível e o outro é ruim, prático.

15. Político com amnésia, tenta descobrir o que ele está fazendo no meio de uma entrevista,


      Nas regras do jogo, a orientação é procurarmos as que levam o palco a mexer, que nos levam a explorar todo ele. Não podemos ficar no cantinho desdilatado. Depois de termos explorado bastante nosso imaginário, agora é hora de diluir o texto, antes disso, é importante entendermos que texto traz um chão como pensamento e um principio de construir uma ideologia do processo, um pensamento no processo, portanto, gostaria de pontuar que  trabalho de alicerçar o texto à prática traz uma ideia de consistência do que estamos vivenciando. O texto apresenta-se como mais que um referencial teórico, mas como um aparato nesse caminho de construção e recortes de ideias. 


Capítulo 6: Timidez


O poema que dá início a esse post foi inspirado nesse capítulo do texto. É incrível como que, socialmente, cada vez mais, somos formatados a excluir o que não está no padrão, a modelar esteticamente nosso corpo porque não está no padrão, e ferir nossa natureza abruptamente só porque não aceitamos nossas sombras. Contudo, é mais IN-crível ainda, que para todas essas exclusões, abdicações, existe um lar, um lar que ao tocar, não fere, não invade, não faz doer, pelo contrário, faz entender, faz com que encaminhemos todas essas questões para a luz, para a consciência e tendo conhecimento sobre elas, faz com que possamos moderá-las. Esse lar se chama teatro. Indo mais fundo, se chama Intrateatro².

      O que quero dizer com isso, é que nossas limitações mais cruéis, mais descartadas por nós ou negadas, são úteis para o trabalho atoral. O trabalho atoral colocará esse "problema" à prova, dará utilidade para ele, logo, promoverá uma outra percepção do mesmo. Não mais iremos o negar, mas vamos agregar, conforme nos orienta a Política do E (Arruda, 2016). Ora, o trabalho atoral não  nos promove apenas como atores, mas também como seres humanos, logo o que aprendermos nesse processo, também se processará em nós enquanto pessoas. Bogart (2011, p. 120) afirma que "seu crecimento como artista não está separado do seu crescimento como ser humano...", afinal, estamos lidando com o mesmo indivíduo. 

     O constrangimento é estrutural, ele sempre vai estar lá, mas não é ruim, depende de como lidamos com ele, é um bom sinal, estou afetado. Anne, em seu texto, cita o exemplo de uma banda de Rock de seu amigo, cuja apresentação estava estava ruim pelo simples fato de estarem imitando o que não eram, isso implica na afirmação de que eles não estavam atravessados pelo rock, por aquele momento, logo, há um vazio que impera e o público vê, o público percebe. Não transparente aos olhos do espectador a falta de expressão, de pulsão, de verdade, o público percebe cada detalhe de uma encenação, porque aquilo não se expressa por não está dentro de nós, expressa-se com o devir, com o vago, o baldio. (BOGART, 2011, p. 121)

  O desconforto precisa estar em cena para gerar pulsão, dilatação e mais, gerar verdade e emoção. Ele não pode ser enxergado como um vilão, deve sim ter um espaço privilegiado no palco.

"O desconforto é um mestre. O bom ator corre o risco de se sentir desconfortável o tempo todo. Não há nada mais emocionante do que ensaiar com um ator que está disposto a pisar em território desconfortável. A insegurança mantém as linhas tensas. Se você tenta evitar sentir-se desconfortável com o que faz, não vai acontecer nada, porque o território permanece seguro e não é exposto. O desconforto gera brilho, realça a personalidade e desfaz a torina." (BOGART, 2011, p. 118)

     Apesar de ser desafiador, é fundamental que todo ator compreenda que o teatro propõe antes de mais nada um espaço de experimentação. Ele quer o erro, ele precisa desse erro para gerar outros dispositivos. Nós enquanto atores, precisamos ser eternos atores e isso implica dizer que nossa disposição para a experiência é infinita. Temos de estar dispostos a experimentar, a nos deixar atravessar pelos nossos afetos, sejam eles internos ou externos, afinal de contas 


"A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece." (BONDIÁ, 2002, p. 21)

       Em suma, não consigo perceber um trabalho atoral sem afecção, sem uma construção interna que seja sintomática, e mais, depois de nossos estudos, não consigo perceber esse trabalho sem o ruído, sem o desequilíbrio e outros agentes de desconforto citados no poema. A nossa busca pelo equilíbrio, é por fazer de todo material útil nesse desenvolvimento. Nem mais, nem menos, mas no ponto. Bogart (2011, p. 133) pontua que "Se o seu trabalho é controlado demais, ele não tem vida. Se é caótico demais, ninguém consegue percebê-lo nem ouvi-lo."

       A autora (idem) aconselha-nos a "andar na corda bamba entre o controle o caos", isso requer de nós permissão, e mais que isso, requer clareza a respeito do que estamos fazendo, por quê estamos fazendo, por quem estamos fazendo. Antes de tudo, por nós, para nós. Precisamos entender que estar a fundo no processo não é querer agradar ao espectador, ao diretor, ao autor ou a quem quer que seja, aprofundar no processo é aprofundar-SE, atravessar-SE, imergir-SE, esquecer-SE em si mesmo. 

      Bogart (2011, p. 121) fomenta este pensamento quando afirma que "O diretor japonês Tadashi Suzuki observou certa vez: "Não existe a boa ou a má atuação, apenas graus de profundidade do motivo pelo qual o ator está no palco." Se não houver essa auto-permissão integral, não haverá um porquê bem estabelecido. 

       Já finalizando, gostaria de parafrasear a autora a respeito de dois aprendizados que eu gostaria de destacar, ambos estão estritamente ligados à faculdade de praticar a alteridade, ou seja, escutar o outro. 


"Ensaiar não é forçar as coisas a acontecerem; ensaiar é ouvir. O diretor ouve os atores. Os atores ouvem uns aos outros. Você ouve o texto coletivamente. Ouve pistas. Mantém as coisas em movimento. Experimenta. Não encobre momentos como se eles estivessem subentendidos. Nada está subentendido. Você presta atenção na situação à medida que ela evolui." (BOGART, 2011, p. 126)

      Percebemos nesse fragmento que o trabalho atoral é uma construção coletiva de nós conosco mesmos, de nós com os demais agentes, profissionais, pessoas. Não é unilateral, é multiangular por diversos motivos, primeiro motivo e o mais complexo: porque nós seres humanos somos multiangulares e complexos. Forçar as coisas acontecerem pode significar retirar uma pulsão, uma vontade, um estímulo do ator, tudo é pontuado, discutido. É um ensinamento para a vida. Tal qual este: 

"O inimigo da arte é a pretensão: a pretensão de que você sabe o que faz, de que sabe como andar e como falar, a pretensão de que aquilo que você "quer dizer" significará a mesma coisa para aqueles que o ouvem. No instante que você tem a pretensão de saber como é o público ou qual é o momento, esse momento estará adormecido. A pretensão pode impedir que você entre no território novo e desconfortável." (BOGART, 2011, p. 119 - 120)

      O mundo vaidoso do teatro acaba com ele próprio. É comum problemas de cunho egoico na classe artística. A preocupação em fazer o melhor porque o outro vai ver sem a preocupação de expor seu corpo e sua mente a uma motivação tão simplória que não condiz com a grandeza do que é teatrar. Teatrar é trabalhar no ambiente do desconhecido. É não querer saber o que está por vir, é querer o que está por vir sem saber do que se trata. Por que temos o costume de achar que, sabendo previamente, faremos o melhor? O teatro também derruba com essa ideia que a sociedade coloca. 

     Latine (2013)  cita Stanislavski quando este respeitoso diretor discorre sobre a vaidade:

"Um ator está sempre sob os olhos do público, exibindo seus melhores atributos, recebendo ovações, aceitando elogios extravagantes, lendo críticas pródigas em louvores – e tudo isto provoca, no ator, uma ânsia incontrolável de ter sua vaidade pessoal constantemente estimulada. Mas se ele restringir-se a esse tipo de incentivo estará sujeito a decair e a tornar-se banal. Uma pessoa séria não se deixaria entreter muito tempo por esse tipo de vida, mas uma pessoa medíocre deixa-se fascinar, corrompe-se e acaba sendo destruída por ele. Eis por que, em nosso mundo do teatro, devemos ser capazes de nos manter sempre sob controle. Sua conduta deve ser norteada pelo seguinte princípio: Amem a arte em vocês, e não vocês na arte.”.

      Vem para o teatro quem deseja ser desconstruído. Eu desejei, por isso tanta trans-forma-ção. Evolução da forma, uma re-forma, uma nova ação sobre mim e sobre o mundo. 

     Viva ao Intrateatro, o teatro de dentro!

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Notas

¹ É possível associar tudo o que negamos em nós mesmos como a nossa sombra, teorizada por Jung. Nesse sentindo, é possível mais um recorte ou hipótese para compor as ideias do Intrateatro. "A relação do teatro com as nossas sombras", pode ser um capítulo do trabalho, tal qual "Personagens e suas personas", recorte que fiz na primeira reunião com o Grupo de Estudos sobre "A poética cênica e seus dispositivos", a partir dos comentários do texto "O ator e o personagem:Variações e limites No teatro contemporâneo", de Daniel Furtado Simões da Silva.

² O Intrateatro é uma possível linha de terapia ou, ferramenta terapêutica que coloca o teatro à serviço da vida, na promoção de saúde e prevenção de doenças em diálogo com a Arteterapia e outros hibridismos. Está em desenvolvimento por mim no curso de Artes Cênicas da Universidade de Vila Velha. 
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Referência

ARRUDA, Rejane Kasting. Arranjo e enquadramento na política do “E”por uma Pedagogia do teatro híbrida. Disponível em: <http://revistas.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/1414573101242015176> Acesso em: maio/2016

BOGART, Anne. A preparação do diretor: sete ensaios sobre arte e teatro. São Paulo: Wmf Martins Fontes, 2011.


BONDIÁ, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n19/n19a02.pdf> Acesso em: maio/2016. 


LATINE, Jaq. O manual do ator de Stanislavski. 2013. Disponível em: <https://aodcnoticias.blogspot.com.br/2013/08/o-manual-do-ator-de-stanislavski.html> Acesso em: maio/2016. 



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