"Não é utopia não. O palco é sim um lugar sagrado onde os seres humanos aprendem a ser mais humanos."
Cláudia Ávila
O Cineteatro é o lugar mais mágico da Universidade, sem dúvida. Não, não. Minto, ele perde só um pouco para GMICA, esse sim permite uma dilatação indescritível, mas, em se tratando de palco, sim o Cineteatro é fantástico, é cômodo, porém, exige que tenhamos todos microfone, afinal, ele não foi projetado para encenações teatrais, mas foi projetado para fazer-nos sentir aquele arrepio ao vermos tantas cadeiras lá em baixo e a gente cá em cima.
A BRONCA
Na última semana a professora nos havia pedido uma roteirização detalhada sobre nossas cenas de jogos teatrais. Elas deveria ser feitas a partir do vídeo, só seria válido se assim o fosse, todos deveriam assistir e roteirizar. Dessa vez eu entrei no grupo dos que não desenvolveram a atividade, acabei por achar que a roteirização do Diogo, meu parceiro de cena, seria válida para nós dois, porém não. Deveras! Como vou produzir meu material interno detalhado sem assistir ao vídeo ou se apropriando do que não foi meu constructo? Confessei meu crime, me senti mal comigo, mas pus meus pés no chão, afinal, já íamos começar os nossos trabalhos. Ah, preciso dar conta dessa roteirização ainda!
O JURI
A primeira cena construída foi a do Juri. Um púlpito no centro, a advogada travesti e jurados dos dois lados do palco com cara de tédio por esperar a horas olhando para o público. A advogada chama o casal em questão, estavam se divorciando, mas o bem maior era a bendita cadeira.
Eu sou um dos jurados e precisei ficar ajoelhado por questões de organização de palco. Minha cara de tédio estava "mole", que eu me sentia um boneco de cera em processo de derretimento olhando para as espectadoras, a professora e as cadeiras.
O FLASHBACK - ALBERTO (EU) E CLARICE (DIOGO)
Alberto é um homem rico, Clarice uma ex-prostituta por quem Alberto foi muito apaixonado a ponto de tirá-la da "vida" e casar-se, oferecendo a ela uma casa perfeita, todo dinheiro do mundo, jóias, porém, Alberto ensoberbado achou que os bens materiais eram suficientes para ela, ledo engano. Clarice apenas queria ser vista naquela noite de gala em que os dois iriam a uma festa chiquíssima, até as jóias valiosíssimas da avó de Alberto, Clarice fez questão de usar, ela, porém, demorou para se arrumar e Alberto se enfureceu e assim se dá a discussão.
Alberto, elegantérrimo com roupa esporte-fino, chapéu coco, relógio de ouro e uma bengalinha de gran-fino, estava com pressa, afinal, ainda precisava abastecer sua mercedes. Olhava toda hora o relógio, chamava, e cansado de esperar foi pendurando seus acessórios no cabide - a propósito todos os móveis da casa foram os próprios atores - que era o João. O Alberto, vale lembrar, possui o tônus do meu pai, também super ansioso e impaciente, muitas vezes deixou mamãe para trás porque não conseguiu esperar.
Clarice finalmente se arruma e faz aquela cara de sedutora, mas Alberto quer logo saber se já podem ir, se quer a observa e ela se queixa por isso.
Alberto de se defende afirmando que dá tudo que ela precisa e sublinha o tapete caríssimo de "urso polar dos Alpes" que possui um valor sentimental dantesco para ela. O tapete, hilariamente, é o Lucas. Cômico quando pisamos nele.
A grande sacada do improviso está no encapsulamento das externalidades internamente. Todo o contexto externo está em eterno diálogo com o intra-material, o que permite a vulnerabilidade do ator tão potente para uma ação orgânica e significativa.
A vulnerabilidade podemos encarar como o espaço vazio para adentrar o ruído, ela tem a "função de atualização da memória corporal" e procede de uma "incidência de imagens e palavras que afetam o ator", esse afeto, por sua vez, bagunça o enquadramento criando um novo arranjo, implicando, portanto, numa nova composição de materiais internos e externos. (ARRUDA, 2016, p. 2)
Cada vez que entramos no palco precisamos encarar o espetáculo como um objeto virgem, no sentido de que tudo que fizermos, encenarmos, construirmos, resignificarmos (sim, acontece tudo isso em cena) seja realizado com a destreza, verdade e organicidade de uma primeira vez.
O trabalho atoral não para, não há descanso quando entramos em cena, pelo contrário, é no espaço cênico que devemos nos abrir às surpresas, às fatalidades, aos ruídos, temos de concordar em expor nosso corpo e toda nossa encenação ao fogo, à energia que rodeia o palco, que se retroalimenta com o espectador, que é provocada pela tensão do pensamento e num repente dilata.
Nas aulas de História do Teatro discorrendo a respeito de Artaud e aprendemos, dentre tantos detalhes de seu "teatro fatal", que seu estilo se baseia no "Teatro da Peste", aquele que afeta, que atinge, que causa. "Trata-se de atingí-lo o mais gravemente possível. (Arruda apud Artaud, 2008, p. 31)
É completamente válido o comentário pelo simples fato (não paradoxal - espero) de que não é possível afetar sem antes ser afetado. Recorremos, então, a tudo que já foi discorrido acima para então chegar à descrição de como é que na cena de Alberto e Clarice houve uma fluidez natural aos olhos do espectador, em contrapartida uma tensão interna.
Na ética da "Política do E", Arruda (2016) propõe a não oposição entre um material e outro, pelo contrário, propõe a sustentação de ambos buscando um caminho para a resignificação ou simplesmente para a ação externa daquele material. Por exemplo, no meio da improvisação a professora suscitou a inserção da regra de jogo "novela mexicana", esta regra trouxe o desequilíbrio perfeito que deu vasão à comicidade.
Naquela energia ardente e um fluxo instável do ciclo do arranjo, outra regra veio à tona, letras de música s começaram a fazer parte da narrativa. Oras, vejamos o brainstorm de pensamento, a explosão: tínhamos de dar conta de duas regras que surgiram, portanto, havia um movimento acelerado interno que estava provocando a ruptura do arranjo, trazendo incidências e a vulnerabilidade, ou seja, essa aceitação dos materiais novos (Política do E) dava vasão ao intenso, e ao sintoma também, porque o (intra)teatro é sintomático, suamos, enrubecemos a pele, arrepiamos, vivemos a mais elevada excitação dos sentidos.
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