terça-feira, 15 de março de 2016

IMPROVISAÇÃO CORAL

"O que apenas imita, que nada tem a dizer sobre aquilo que imita, semelha um pobre chipanzéque imita seu treinador fumandoe nisso não fuma.Pois nunca a imitação irrefletida será uma verdadeira imitação."

Bertolt Brecht

Exaustão. Esgotamento. Variação de fisicalidades. Treinamento energético? Certamente! Ainda utilizando-se da memória corporal estabelecida por meio dos fragmentos dos textos de Tennessee Williams, o treinamento desta aula consistiu na mimese das ações físicas do outro afim de que, coletivamente, criássemos falas internas individuais para cada ação. 

    Inicialmente preparamos nosso corpo com o aquecimento das articulações, já descrito nas dissertações anteriores. Nos posicionamos de fronte para o grande espelho da tão abafada sala de dança. Deveríamos ocupar um espaço confortável para ações mais expandidas, intensas, densas e volumosas. 

     Pois bem, vários corpos ocupando o mesmo espaço, um de nós ficaria em evidencia e mostraria sua partitura corporal, todos os outros imitariam as ações e no exercício criariam falas internas de modo que as ações do outro gerissem organicamente o nosso corpo. 

     A mesma partitura física era realizada diversas vezes afim de nos apropriar, mimeticamente, de cada ação. Um trabalho exaustivo considerando a intensidade das ações uma vez que o contexto dos textos utilizados reverberam situações densas, pesadas, trágicas e de tensão. 

     É importante salientar que algumas partituras fluíram mais naturalmente no quesito rítmico, sincrônico e harmônico. Evidente a comunhão entre techné e psiché. O corpo absorveu a energia contida naquelas ações, nas visualidades. Houve uma reação da consciência coletiva. A copulação entre razão e sensibilidade. Essa relação se chama concentração poética, em que as duas instâncias se interseccionam livremente, por essa razão é possível viver a emoção cênica. Simultaneamente atuamos verossimilmente, refletimos sobre a nossa ação e também somos capazes de construir uma ação nova . 

     Um fator responsável pela representação de ação verossível é o silêncio. Os treinamentos energéticos ou as preparações físicas que demandam a utilização da fala interna, por exemplo, não carece de verbalização. O silêncio é imprescindível, porque entende-se que quando há fala externa, não há produção da fala interna. É preciso expor também que a verbalização é responsável por desencadear outros estímulos da nossa racionalidade, levando-nos a outros contextos, nos tirando a concentração e do universo cênico e, portanto, impossibilitando a corporificação da ação física de maneira orgânica. 

     Depois de estar com a camisa toda molhada de suor, também a bermuda, existe mais força para se entregar às outras atividades. Teatro é isso. É se jogar, se permitir, é viver o aqui e agora e ter ciência de que o futuro não existe. Digo isso porque, depois de todo esforço, não se encerrava ali. É hora de vivenciar o campo de visão. 

     Na primeira aula na qual se tratou desse recurso cênico, eu não estava presente, portanto, confesso que me foi um tanto difícil cumprir essa atividade com excelência ou próximo disso. No entanto, quero expressar a sensação de deleite diante de tantas visualidades, tantos movimentos atávicos, pulsantes e epidêmicos. 

     Começa-se na posição de neutralidade. Pés para dentro, joelhos entredobrados, braços soltos. Na palma, faz-se uma figura qualquer. Mas desde já, essa figura precisa sair do âmago, para seja realizada organicamente, com todo o corpo, e não só com as regiões periféricas do mesmo. 

     No campo de visão existe um líder responsável por toda ação à ser mimetizada. Ele é quem vai direcionar todos os outros e todos os outros irão seguí-lo até que este permaneça visível. Quando todos sumirem do campo de visão, não há mais ação para realizar, logo, o corpo fica imobilizado na última figura representada antes do fenômeno. As ações só poderão ser retomadas quando alguém entrar no campo de visão novamente, dando continuidade às ações. 

     A professora citava os líderes, porém, percebendo que os movimentos estavam livres de mais, comprometendo a vericidade da encenação, ela ditava também temas como alegria, suspense, erotismo, carnaval, entre outros. Eu tentava fazer o exercício criando falas internas. No momento em que meu amigo C. foi o líder e a professora deu a temática "carnaval" ele fez muita cena de danças, coreografias, mãos para cima. Usei da visualização da cena do filme "Madagascar", quando os lêmures dançavam a música "Eu me remexo muito". A comicidade interna tomou conta de todo meu corpo. Foi mais fácil viver cenicamente o carnaval.  Em outro momento, quando precisei ficar imobilizado, a fala interna foi o que me deu sustentação da ação - exaustiva - em que me encontrava. 

     Penso que vale a pena entender sob outras óticas tudo nessa vida. Por essa razão, me utilizarei da explanação do ator, diretor e professor da UNICAMP,  Drº Marcelo Lazzaratto, sobre o Campo de Visão: 

"é um exercício de improvisação teatral coral no qual os participantes só podem movimentar-se quando algum movimento gerado por qualquer ator estiver ou entrar no seu campo de visão. Os atores não podem olhar olho no olho. Eles devem ampliar sua percepção visual periférica e através dos movimentos, de suas intenções e pulsações, conquistar naturalmente uma sintonia coletiva para dar corpo a impulsos sensoriais estimulados pelos próprios movimentos, por algum som ou música, por algum texto ou ação dramática."

     A sintonia coletiva, grifada na paráfrase acima, só é possível através da afecção, ou seja, quando o nosso corpo é tomado por um impulso interno e esse impulso é sentido organicamente, por cada partícula. É a afecção que motiva e move a ação física. É afetar-se. É o exercício da alteridade, porque leva em consideração o outro. 

     O campo de visão é fator sinequanon na construção do corpo-perceptivo, esse corpo nada mais é que a integração das coisas de dentro com as coisas de fora, mais claramente a techné psiché, o procedimento e o método, o físico e o subjetivo, o corpo e a alma. Essa auto-percepção tem a função de questionar e responder questões como "qual lugar esse indivíduo ocupa no mundo", logo, "quais deveres e responsabilidades", e muitas outras questões sobre a nossa existência que também faz parte do nosso eu-cênico. 
     
     Esse é o espaço das aulas de corpo e esse é o Luiz, um moço muito feliz!

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