quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

PALAVRA E METADE

Naqueles olhos todos era evidente: o senso de maioridade havia passado, e nem se quer viveram a época - atual - da adultilização. Todos voltamos ao berço, ao princípio de tudo, da boa criação, aquela que não se dá nas jaulas de ouro entupidas de brinquedos, mas aquela em que o brinquedo que não existe é inventado simples, criativo e humanamente saudável. 


Não obstante de quando criança, os jogos aqui também exercem várias funções, desde cômica até a simuladora de regras, essas que, quando apreendidas por meio da brincadeira, são aplicáveis no nosso quotidiano. Vivemos uma época na qual a nova geração compreende menos dessa forma de organização social, o que traz alguns infortúnios ao bem-estar da vida. Mas esse não é o percurso de hoje. Vamos mudar o contexto. 

     Os jogos, dentro da perspectiva cênica, são uma estrutura do brincar, de criação livre, para se utilizar no teatro em forma de jogos lúdicos, cenas curtas, esboços cênicos ou improvisações. O objetivo é preparar e instruir atores tanto na ampliação do repertório cênico, da vivência teatral, como também preparar profissionais que utilizam esses instrumentos em ambientes pedagógicos, que vão muito além de instituições de ensino. 

     Viola Spolin é a principal referência no que tange a esse recurso imprescindível na preparação de atores e não atores. Ela quem didatizou e estruturou esse processo a partir de sua experiência. Como princípio básico básico tomamos a tríade O QUÊ, QUEM e ONDE, tornando a experiência cênica mais eficaz a ponto de o corpo cênico ser possível, quebrando paradigmas da "incorporação" do personagem substituindo-a pela construção do mesmo aliado a várias outras poéticas como a Substituição, a Fala Interna e a Expansão. 

     Dada a introdução, vamos entender o que foi a aula de jogos do dia 17 de fevereiro. Afinal, o que foi? Um jogo de CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS. Considerando que minha função de vida favorita é essa, fiquei animado. Mas, dissemos que os jogos, para serem jogos, precisam de regras. Pois bem, formou-se a roda-gigante. A ideia era começar a contar uma história e na metade de uma palavra, preferencialmente numa sílaba, o colega ao lado deveria prosseguir com a sua história seguindo o mesmo raciocínio ou não. Exemplo: 

- "Era uma vez um elefante amarelo que camin..."
- "...ando e cantando seguindo a can..."
- "...cer! Era Câncer o motivo da morto do ele..."

      Fundamental era abusar mesmo da criatividade, afinal, é assim que construímos nosso repertório cênico.

     Essa foi uma regra. A outra: não pode repetir a palavra inteira que o colega disse. É preciso continuar da metade que parou para dar a ideia de uma pessoa só contando a história, porém, isso requer muita agilidade e nada de reflexão. Essencial desenvolver momentaneamente a "síndrome do pensamento acelerado". Seria perfeito! 

     Claro que existem "grandes" amigos que almejam vê-lo gaguejar ou fazer feio, destaco meu caro Lucas Suarez, um moço simpático por quem desenvolvi sincera amizade. Experiência própria. Claro que uma brincadeira muito saudável. Me lembro que a última metade que me veio foi "lepo". Sim! Fiquei desesperado e respondi: "Lê Poet... um filme de um grande dramaturgo francês". Não respeitei a regra. Fiquei nervoso. Mas nas próximas vezes percebi que aquele erro foi crucial para a minha maior atenção e meu reflexo. 

     A história ficou um tanto embaraçosa, no entanto, interessante quando resgatávamos alguns personagens que já estavam esquecidos e resignificávamos até mesmo a situação (conturbada quase sempre) na qual estavam inseridos. 

      Assim que cheguei em casa, feliz da vida, externei em poema essa aula de Jogos e finalizo com ele. 

PALAVRA E METADE
Allan Maykson

Um jogo que segue
palavra e metade
atenção que se preza
que se apressa 
e nos prende 
o pensar num repente 
numa história contada
sem nexo, sem linha 
deslineada. 
É o jogo de palco
é o palco em jogo
como no jogo da vida
há graça no mundo
há riso constante 
há riso contido
há riso insosso
há história de amigo
de bohemia e tragédia 
elefantes coloridos 
há noivado acabado
namoro recomeçado 
há pessoas estranhas 
comendo churrasco. 
A história se segue 
palavra pela metade
pois todo o resto 
outro dá continuidade. 
Eu falo uma sílaba 
para facilitar
mas sem me repetir 
tem de continuar. 
Eu quem dou fantasia 
eu quebro o óbvio 
posso ser previsível 
até incoerente 
mas as regras do jogo
devem ser seguidas. 
Em roda bem grande
e cara na cara 
o inconstante 
é fascínio na aula. 
O que vem à tona 
é para ser dito
o mais importante 
é começar na metade 
com ou sem sentido
sem repetir o pronunciado. 
Esse jogo só tem fim 
quando a história 
tiver terminado. 

17 de fevereiro de 2016

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