terça-feira, 26 de abril de 2016

FIGURA-CORPO

Eu quis que as linhas das imagens
fossem as minhas. 
Que os seus limites fossem os meus. 
Que suas manchas fossem as minhas.
Que o pictórico fosse eu.

Allan Maykson
26 de abril de 2016

Black and Violet - Wassily Kandinsky

A proposição da aula de Corpo I foi reagir corporalmente às imagens projetadas e a estímulos musicais, porém o som não funcionou, mas como adeptos da "resistência" como instrumento potencializador da criatividade (também), a professora teve a ideia muito feliz de colocar os próprios alunos para cantarem à capela no microfone. 

      Absorver as imagens internamente e dar visualidade para ela em nosso corpo foi uma experiência riquíssima, porque gerou uma problematização e que resultou numa poética. Afinal, o que significa reagir corporalmente ao abstrato pictórico? Seria reelaborar mimeticamente no corpo? Seria dar corpo ao material externo? Muitas indagações suscitaram no processo. 

     Destaco a imagem acima como prelúdio porque me interessei bastante é corporificar os traços, as figuras, a geometria presente, como ela passava diversas vezes na projeção, percebi  que ela seria meu campo de exploração corporal. Não abri mão de fazer as ações a partir das demais imagens, mas "Black and Violet" de Kandinsky me inquietou. Cada vez que eu a via fazia novas impressões no corpo, ora partiturizando as linhas-limites da tela, ora as formas geométricas, ora o sentido de confusão da obra em sua totalidade, ora me utilizei daquela plasticidade para dar incidência às substituições, ora o corpo extra-cotidiano me fazia criar falas internas e na transição de uma imagem para a outra, em dado momento, um monólogo interior surgiu a partir da substituição, uma verdadeira ação interna sobre o universo criado com o imaginário. 

     Poucas vezes a música entranhou. Pelo menos não conscientemente. As duas linguagens não conseguiam adentrar juntas, ao menos não o som organizado, melódico, rítmico, em contrapartida, o som dos passos, do cansaço, do vento, esses sim conseguiram fazer parte do acontecimento interno. 

      Segue algumas imagens:

 








O INÍCIO DA CONVERSA

Achei mais conveniente deixar essa parte para o final porque a professora tratou de muitas informações que merecem um espaço seu tanto quanto a descrição acima merecia. 

      Como é possível acompanhar, estamos vivendo o tempo da Abertura de Processos de Criação Cênica, então todas as nossas aulas estão direcionadas para esse constructo. A nossa maior apresentação e mais complexa por se tratar de várias cenas é a de Jogos Teatrais. Em jogos, precisaremos resgatar nossas improvisações, recuperá-las, o que se torna um grande desafio por diversas razões: quando elaboramos nossa estrutura de jogo estávamos no estado do "não saber", logo as tendiam a pegar fogo, tudo era turvo, a cena nunca havia sido vivida, os acontecimentos estavam quentes e com tantas regras ainda nunca experimentadas a possibilidade de pulsão energética, de dilatação, de expansão foi superatendida. 

      Mas, depois de cenas vividas, como aquecê-las novamente? Como recuperar uma improvisação? Sobre isso, a professora propôs uma etapa de roteirização detalhada, rever as cenas, estudá-las, se apropriar delas, adaptar o que não ficou bom, acrescentar o que faltou, e para ascender o fogo energético novamente, inserir um elemento desestruturador. 

     Quando dizemos de elementos desestruturadores lembramos de dispositivos cênicos e audiovisuais para esse alcance, um ruído novo, um elemento que traga novamente a insegurança, esses elementos podem ser o figurino, a iluminação, uma outra regra, uma nova fala interna, uma regra para mim mesmo, auto-exercício. Também podemos trabalhar o novo, uma nova substituição, colocando à tona uma questão pessoal urgente, essa que todos nós dispomos. 

     "O outro" também é um elemento desestruturador. Quando o outro resolver "passa a perna" em cena, ele recria o imprevisível, então esse elemento junto as estrutura de jogo de 3 regras, por exemplo, gera o desconserto,  a oscilação, então, num repente, o espontâneo acontece, a ação dilatada, o conflito é elemento de criatividade, fazendo jus ao que advoga Spolin, "só quando o foco está divido é que o espontâneo acontece", ou seja, só quando o corpo oscila é que ele produz e não só executa uma ação. 

      Recorremos também à tríade (1) Enquadramento, (2) Incidência e (3) Vulnerabilidade defendida no texto "Arranjo e Enquadramento na Política do "E": por uma pedagogia do teatro híbrida", de nossa professora e coordenadora Drª Rejane Arruda, defendendo que o primeiro trata-se da organização no tempo-espaço, é o que situa, organiza e coloca limite; o segundo trata-se da propriedade de afetar, é o agende do caos, é o que podemos recortar como elemento desestruturador em prol do resgate das improvisações. O último, versa sobre a atualização da memória corporal do ator a partir daquela incidência, atualiza-se marcas de afetos já impregnadas nessa memória levando-o ao inesperado, consequentemente, gera um novo conteúdo interno, o caminho perfeito para  a improvisação.

      Uma fala que desejo sublinhar da nossa professora para esse trabalho de resgate é que para que isso ocorra "temos de nos enganar o tempo todo", nos autossabotar e isso exige uma auto-investigação, é um caminho imprescindível do trabalho atoral. 

     Ela ainda destacou a respeito do paradoxo do trabalho cênico: construir para destruir, mas gostaria de pedir licença e me utilizar do "desconstruir", apesar de serem sinônimos segundo vários dicionários, quero defender que que a desconstrução é fruto de um trabalho também detalhado. Destruir é esquecer, desconstruir é se submeter a remover tijolinho por tijolinho do construído guardando cada ação do "tirar" na memória corporal, guardando, assim, a essência, o resquício, os sedimentos daquela composição. A desconstrução também pode ser realizada com a mesmo minuciosidade do trabalho de construção, assim, temos elementos internos que transmutam o físico-imaginário para o imaginário-corpóreo, aquele impregnado na nossa tessitura. 

     Esse paradoxo é composto de princípios opostos, o equilíbrio entre a explosão e a construção, a elaboração da coisa perfeita e inserir o elemento desestruturador. Há uma dualidade inseparável: a avalanche, a escorregadela, o rolo, a explosão, a combustão, o "sem querer" se opondo ao metódico, minucioso, partiturizado, dominado, à precisão e à técnica. 

     O trabalho atoral precisa ser um desafio diário, uma perturbação interna, uma inquietação constante para gerar o desequilíbrio e por fim o novo, o criativo, o teatral. 

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