segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

FAÇA AMOR CONSIGO MESMO



Por Allan Maykson¹

Imagem: Mel Kadel

Prepare a toalha. Pegue uma cadeira. Vá para o banheiro. Apague as luzes. Ligue o chuveiro. Sente-se. Transe-se. Ame-se. 

       Eu tenho alguns complexos com o meu corpo (também), e toda a minha solidão é motivada pela não-aceitação de como eu sou. - Sobre o "quem eu sou" discorrerei em outro ensaio. Mas eu decidi que isso não podia mais ficar assim, foi então que mudei minha vida completamente para salvá-la, neste momento surgiram as primeiras ideias do que hoje chamo de Intrateatro². 

         Sempre prego que devemos ouvir nossa intuição, ela é preciosa, porém, é negligenciada para dar lugar a outros aspectos da psque, mais "palpáveis", digamos assim, o físico e o intelectual. (SPOLIN, 1979)

       Por ouvir a intuição, hoje não apenas tomei um banho, mas eu vivenciei um banho, me experimentei no banho e essa experiência me deixou satisfeito comigo mesmo, eu me senti lindo, e ao final, me olhei no espelho e sorri, era um reflexo do empoderamento do Eu.

       Descobri um caminho para a autoaceitação, porque quando não gostamos de como somos, temos pouco contato com nosso corpo, até mesmo o banho acontece de maneira despercebida, fugaz, ausente, percorremos nosso corpo inteiro sem sentí-lo, o tocamos, mas não temos contato. Eu estaria pronto para uma deliciosa sesta agora, com meu corpo relaxado, mas eu tinha de compartilhar esta experiência: 

      A experiência de me espumar completamente com os olhos fechados, deixando os outros sentidos despertarem, passando minha mão sobre cada parte do meu corpo e sentindo as diferentes texturas de minha pele, a robustez da minha  barba, dos meus pelos, a leveza dos meus cabelos molhados, dos meus lábios macios. Percorri meus órgãos sexuais - por que não o faria? - e os acarinhei. Sim, eu fiz amor comigo mesmo, me penetrei, me conheci por dentro e por fora,  me beijei, me chupei, me lambi, ejaculei, e senti a minha temperatura interna. Me apaixonei por mim, me abracei como uma despedida após uma autoentrega. Me olhei no espelho e sorri, porque entendi que ali estava a pessoa mais especial do mundo, alguém que apenas eu mesmo sou capaz de assumir.

       A nossa baixa auto-estima está relacionada às expectativas  que não conseguimos alcançar sobre nós mesmos. Dificilmente somos quem queríamos ser, sempre nos distanciamos do Eu-ideal, é assim porque não aprendemos a sermos quem ora somos, a perceber esse ser tão frágil e invisível. 

     Conhecer-se é a tarefa mais difícil do nosso papel enquanto indivíduos, enquanto seres humanos. "Conhece-te a ti mesmo" é a máxima da filosofia desde os tempos remotos da humanidade, quando esta aprendeu a questionar-se, e ainda hoje nos chocamos com o fato de sermos obscuros para nós mesmos. 

         A partir da minha experiência me pergunto: "o que a sabedoria quer me dizer?". Aprendi a perguntar isto com um amoroso e sagaz pastor de uma determinada igreja que eu estava conhecendo, mais um rico aprendizado para minha vida de poucas primaveras. A sabedoria quer me dizer que nosso corpo é carente de nós, crescemos com ele, nos desenvolvemos com ele e morreremos com ele, e muitas vezes ele viveu uma vida inteira virgem de nós, de nosso olhar, de nosso toque, de nosso amor, de nossa atenção. 

       O corpo guarda todos os nossos afetos, nossas lembranças, nosso intelecto e tudo mais que nos fazem ser quem somos, e o negligenciamos. O corpo nos sente saudade. Por isso eu não me envergonho de compartilhar a minha experiência de auto-amor. Precisamos compreender a profundidade que nos compõe. 

       Temos fatias de todos os outros, de todos os tempos e elementos da terra. Precisamos nos compreender enquanto universo. Existe um universo após a linha tênue de nossa pele, e sob ela, existe outro universo tão vasto quanto o cosmos. Autoaceitar-se é auto-descobrir-se, é auto-penetrar-se, auto-invadir-se. 

        Quer se conhecer e sentir o quanto és especial? Dispa-se do velho homem, desfaça-se da velha mulher. Nós somos a maior novidade que o nosso corpo já viu. Faça amor consigo mesmo! 

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Notas

¹Allan Maykson é graduado em Pedagogia e especialista em Competências Docentes com Ênfase no Ensino Superior pela Faculdade Pitágoras - Campus Linhares (ES). Atualmente estuda pós-graduação em Arteterapia pelo Instituto Fênix de Ensino e Pesquisa e, concomitantemente, Licenciatura em Artes Cênicas pela Universidade Vila Velha. É integrante do grupo de pesquisa "Poéticas da Cena Contemporânea", com seu projeto “Intrateatro: procedimentos cênicos aplicados à Arteterapia” sob a linha de pesquisa “A Poética Cênica, Seus Dispositivos e Estratégias de Transmissão”. Possui experiência profissional em cursos de pós-graduação e graduação como docente convidado e substituo, e em todos os níveis da educação básica como professor, coordenador de cursos preparatórios e coordenador geral. É membro-fundador da dupla Meninice onde desenvolve trabalhos de música, poesia e contação de histórias.

² O Intrateatro é um projeto de pesquisa que dá à linguagem cênica a visualidade de terapia quando dialogada com a Arteterapia (terapia por meio de tudo que é expressivo). É um diálogo de "intras", o que é há de potente no teatro que é substancial para o processo terapêutico dos indivíduos. 


Referências Bibliográficas 

SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. São Paulo: Pespectiva, 1979.

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