quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Sobre Arte e Dor: dialogando com a Mostra Jovens Encenadores

“Toda experiência está permanentemente
impregnada de uma implacável vitalidade
e de uma contundente tragédia”.
Virgínia Woolf


Pretendo aqui fazer algumas reflexões após assistir a Mostra Jovens Encenadores no último dia 14/11, que faz parte do PERFORMA-ES, temporada artística semestral dos atores em formação do Curso de Artes Cênicas da Universidade de Vila Velha.

Após as apresentações acontece ,como de praxe, uma conversa com o público formado em sua maioria por alunos, ex-alunos e professores do Curso.

Um dos monólogos apresentados, “Leonardo Sauvignon”, de Allan Maykson, causou empatia no público por tratar-se de um roteiro confessional, um amor platônico que levou o ator a transformar, ou melhor, sublimar, nos devolvendo toda sua dor em forma de arte. Um teatro performativo musical nos foi apresentado, evidenciando a pesquisa de Iniciação Científica e o Trabalho de Conclusão de Curso do aluno, configurando em cena o que ele chama e defende como “Poética da Catarse.”

Na conversa com o público após a estreia, Allan fala da dor ao realizar o trabalho, revivendo a perda de um amor, de forma simbólica em cena.  Michel Foucault, filósofo e historiador francês questiona: “A vida de qualquer individuo não poderia ser uma obra de arte?”, sublinhando com a pergunta, a essencial proximidade da arte e da vida, tal como problematizada pela noção contemporânea de Homem.

Perguntado Allan disse que o processo de auto direção foi sofrido, sempre levando às lagrimas durante os ensaios.  Chegou a pensar em suicídio em algum momento da vida e, ao fazer essa auto investigação agora para a montagem, sentiu que poderia ser levado ao desespero, mas sabiamente decidiu retornar ao analista. Para o psicanalista e professor da USP João A. Frayze Pereira, autor de “Arte, Dor: Inquietudes entre Estética e Psicanálise”, trata-se de “investigar da perspectiva dos efeitos que a obra produz sobre aquele que aceita com ela se confrontar e aceita liberar no discurso o que disso lhe resultou”.

As perguntas vindas da plateia referiam-se basicamente às questões psicológicas e Allan inclusive disse ter ingressado nas Artes Cênicas para “se conhecer melhor”. Resolvi então, bem ao estilo lacaniano de análise, dar um corte nas falas e encerrar a noite, também muito quente por conta do ar condicionado do teatro quebrado nesse dia.

Mas, chegando a casa, fiquei pensando naquilo que não foi dito. Falou-se da ligação da psicologia aplicada à arte, mas deixamos a filosofia, as referências estéticas e as questões da composição cênica de fora. Estamos no terreno das inquietudes entre Arte e Dor.

Voltando então à conversa que foi interrompida, e entrando nas questões estéticas da encenação, constato que Allan tinha o argumento e o transformou em poética cênica ao utilizar como alter ego de seu amor platônico, uma obra de Leonardo da Vinci (Retrato de um Músico) por remeter ao nome de seu amante. Essa imagem que virou cenografia (um painel fotográfico gigante ao fundo) cita obras encenadas de Romeo Castellucci (diretor da vanguarda italiana), que o ator/diretor tem como referência significativa. O recurso de usar/beber vinho  em cena (“ Sauvignon” do título da peça é um tipo de uva tinta), fez a iluminação ganhar um tom avermelhado. A luz, recortada em focos de pino, também foi usada de contra por detrás do painel fotográfico, emitindo uma sombra do ator em uma de suas cenas. A luz também recorta a fotografia/painel, enaltecendo um lado do rosto e mantendo um olho em destaque, que apaga-se na cena final quando o ator se aproxima da imagem. A música tocada ao vivo, com guitarra e teclado, e também gravada, é original e resultado de uma improvisação vinda de argumentos/palavras dadas pelo público, após celebrarem com vinho que é provado por todos durante a cena junto da plateia.

Aqui poderíamos discutir também outra questão cara ao teatro performativo, qual seja a presença x representação. Não temos um personagem, não temos a mimese, mas o próprio autor/ator/depoente, expondo de forma catártica, sua emoção em tempo real, denotando sua presença cênica, exposta aos riscos de uma improvisação inflamada. Mas não se trata de uma sessão de análise em grupo, um psicodrama, o que percebemos explicitamente na encenação foram recursos de teatralidade. Signos e elementos visuais que estetizaram o que seria uma confissão, tornando-a uma experiência estética.

Teatralidade que aparece além da cenografia e da dramaturgia da luz, também na maquiagem e no figurino (que não ficou completo para a estreia), resultado de pesquisa tendendo a um figurino clássico, que remetesse ao Renascimento (faltou uma gola que seria acrescentada à túnica que foi usada) por conta da citação de Leonardo da Vinci.

É o psicanalista inglês Donald Winnicott quem nos mostra um caminho para pensar o que foi visto e dito: “A obra de arte abre um espaço de experiência em que se articulam paradoxalmente, constitutivamente, o sujeito psicológico e o mundo”.

Marcelo Ferreira
Mestre em Artes/UFES
Professor no curso de Artes Cênicas/UVV
Novembro de 2018.











 * Fotos enviadas por espectadores.




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