Por Allan Maykson
Minha mente deseja refletir sobre o “estar”. E
dessa vez quero me abster das teorias e citações e eleger o que pulsa dentro de
mim: a crise da presença. Quero falar de uma presença que escorre nos olhos e
no corpo, uma energia visceral que rouba o olhar e a presença do espectador sem
que ele perceba o tempo que se dedicou àquela visualidade se doando ao que está
sendo encenado.
A presença é um eco que ressoa numa via de mão
dupla, ela caminha de dentro pra fora, depois retorna, de fora pra dentro, é aí
que se percebe os poderes da catarse que Aristóteles defendeu. Me deixo ir à
medida que me reconheço no que não é meu, mas me pertence. Um “não eu-meu” que
interrompe uma atividade racional frívola e canaliza para a reflexão sobre
minha existência.
Logo, o que é existir? E o que é este estado de
presença que me ganha, que me toma, que me possui?
Eu gosto de estar naquilo em que existo, e quando
percebo que lá existo, aquilo também passa a existir em mim. O estado de
presença não pertence só a mim, não está somente em mim, está nos arredores da
minha existência em determinada circunstância. Estar aonde meus pés estão me
deixa atenta ao solo no qual eu piso. Eu tiro meus calçados para que uma parte
receptora do meu corpo me dê notícias sobre esse fragmento de mundo que está
sendo habitado por mim.
Estar presente remete ao estado integral de quem
somos na integralidade do que a vida está nos propondo viver em determinado
momento. Logo, estar presente numa praia à noite é perceber as sutilezas as
quais a presença da praia me submete à degustação.
O momento de “estar” supera a efemeridade do
relógio, mas reafirma a magnitude do tempo. No estado de presença o tempo é
contado à medida do que nele foi vivido. Assim, quando estamos presentes, num
estado de ausculta do universo interior e exterior, podemos entender,
superficialmente (talvez), o que chamam de “o tempo de Deus”.
É engraçado como falar sobre presença me leva a
discorrer sobre o existir, que remete ao tempo, que me conduz a Deus...
Outro dia eu resolvi estar presente na Praia do
Ribeiro, em Vila Velha, ES. Uma simpática praia onde ficam atracados alguns
barcos. É uma vista maravilhosa e introspectiva (quando queremos que seja).
Sentei num banco de concreto, e por alguns minutos olhei o horizonte mais
próximo e os arredores de mim. A minha presença integral foi se estabelecendo,
e assim, eu pude perceber a presença daquela fragmento de mundo, e começamos a
estabelecer um diálogo. A linguagem era o vento, o que ele carregava, o que ele
mexia, o que ele movimentava, o que ele tirava do lugar e o que ele não tirava;
as ondas que ele ornamentava, as partículas de areia que ele levava ao céu, as
folhas que ele atirava ao chão, as rochas que apenas acariciava... Ah! Que belo
de um diálogo... de repente um silêncio se fez, assim, não havia mais vento,
nem folhas caindo, nem ondas surgindo, nem grão de areia subindo, nem cheiro,
nem uma mudança na palheta de cor, a vida parou diante dos meus olhos para e eu
entendi, finalmente, o que era a onipresença de Deus. Deus era tudo aquilo,
todo o horizonte, toda rocha, todo vendo, toda praia, toda areia, toda concha,
toda folha. Tudo. Eu respirei fundo e chorei, porque a minha presença se
entrelaçou na presença daquela fatia de vida e ela conversou comigo. Eu existi
nela e ela existiu em mim, logo, estávamos, ambos, sendo um estar presente.
No teatro, a minha presença enquanto ator sobrepõe
os meus olhos. E o que procuro como presença enquanto espetador de um
espetáculo é ser o alvo de um olhar que me assassina com sua munição de
preenchida de presença. Eu quero ser arrebatado, e me deixo levar... Meu corpo
sai da cadeira, eu respiro fundo, eu seguro o peito, porque quando identifico
uma presença vívida e pulsante, é porque ela já habita em mim e eu nela.
ESTADO DE PRESENÇA
Allan Maykson
É que eu não sei não-estar
Não sei estar-ausente
Não sou eu isto de estar-não-estando...
Sim... esta-n-d-o...
A atividade estar.
Não sei estar-estático
Senão meu corpo se apresenta
E minha mente não.
Ou, minha mente se apresenta
E minha alma não...
Não sei estar-despresente
Estar sem presença
Estar pelo “estou”
Ou pelo “está”.
Gosto de estar pelo “sou”
E gosto de ser o e-s-t-a-n-d-o.
Ah, eu gosto da vivência
Não apenas a presença.
Se não estou, eu saio
Se eu corro é porque nunca estive.
Se eu fico é porque
Estou no estado de ser o estando
Aí sim eu existo naquilo
E aquilo existe em mim...
01 de agosto de 2017
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Imagens: Gabriela Júlia
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