"Assim, podemos receber as ressonâncias do texto em nós mesmos e entender o texto sem pronunciá-lo."
François Kahn
Chegamos a um patamar do trabalho que está se desenvolvendo em que separar as linguagens e dissertar sobre cada uma delas isoladamente chega a ser injusto, já que depositamos todos os nossos esforços (e aulas, e qualquer minuto livre) na montagem de Alice no País das Maravilhas. Faço esse apontamento porque soa no mínimo curioso introduzir o tema Corpo parafraseando um fragmento que caberia em Interpretação. Ocorre que, a experiência da nossa última aula de corpo (01/08) , na qual eu interpretei o Dodô, pude vivenciar a o texto enquanto pulsão e sustentação interna e externa do meu corpo.
Na referida aula de corpo trabalhamos com vários materiais, a Ação sobre o outro, uma maração mais dinâmica, uma espécie de limpeza, trabalhamos com a sujeira, com a bagunça e com a coralidade. Desenhamos percursos no espaço (figura 1) para dar a ideia de nos movimentarmos como se estivéssemos num trânsito, a ideia é realmente mexer com o olhar do espectador, desestabilizar esse olhar, e de repente, estabilizar novamente, porque sempre pararíamos num círculo. Na Cena 3, os animais estão todos molhados por causa do mar de lágrimas da Alice, tínhamos de absorver uma característica do animal e colocar em nossa interpretação mas fugindo da mimese animalesca, e sim, fazendo um humano-bicho. Um outro material que utilizamos foi a Imagem Vocal, porém, para ser usada num determinado momento.
Meu percurso era circular, mas tivemos outros de outras figuras geométricas, uma para cada campo de visão, cujos líderes foram previamente indicados.
Antes de começarmos a ação cênica utilizando de todos os materiais, precisamos de uma adubação interna, para isto, utilizamos do material "Monólogo Interior", este que se caracteriza pela fala subjetiva, uma fala não pronunciada como a "fala interna", mas uma fala residual, um 'antes', que germina o que está por vir, diferentemente da fala interna, sobre a qual o ator se Apoio e Fala, o monólogo interior é responsável por um fluxo mental que passeia por todo o corpo, preenchendo-o lenta e completamente, podemos inferir a presença de uma impregnação energética na qual presenciamos o Corpo Decidido (Barba, 1995), este "que não decidimos, ele já está decidido", o Stats, quando Barba defende o corpo pronto para agir.
A figura 2 é bastante capaz de ilustrar o meu estado após o monólogo interior para interpretar o Dodô. Havia um calor que circulava, e desde o momento do início da cena quando entrávamos com nossos campos de visão sob a orientação do desenho geométrico, eu já estava encapsulado no personagem, não dando espaço para que conversas alheias pudessem, talvez, comprometer a digestão daquela trabalho. Desta vez memorizei o texto apenas escrevendo e sentindo ele internamente conforme acontece no trabalho de Franois Kahn:
Na prática, existe uma estrutura de Viewponts, que é um procedimento importado do balé por teatrólogos que mais tarde foram os adaptando, dentre esses, destaca-se Anne Bogart, uma diretora teatral sobre qual estudamos quase sempre em nossas aulas. Os seis viewpoints iniciais organizados pela bailarina (Mary Overlie) são: Espaço, Forma, Tempo, Emoção, Movimento e História. Ao conhecer a bailarina e os Viewpoints
(figura 1)
Meu percurso era circular, mas tivemos outros de outras figuras geométricas, uma para cada campo de visão, cujos líderes foram previamente indicados.
Antes de começarmos a ação cênica utilizando de todos os materiais, precisamos de uma adubação interna, para isto, utilizamos do material "Monólogo Interior", este que se caracteriza pela fala subjetiva, uma fala não pronunciada como a "fala interna", mas uma fala residual, um 'antes', que germina o que está por vir, diferentemente da fala interna, sobre a qual o ator se Apoio e Fala, o monólogo interior é responsável por um fluxo mental que passeia por todo o corpo, preenchendo-o lenta e completamente, podemos inferir a presença de uma impregnação energética na qual presenciamos o Corpo Decidido (Barba, 1995), este "que não decidimos, ele já está decidido", o Stats, quando Barba defende o corpo pronto para agir.
(figura 2)
"sem pronunciar ou articular o texto, tem a vantagem fundamental de fixar o texto, sem gravar sua interpretação, sua enunciação, sua musicalidade ou seu ritmo."
A forma que apliquei o monólogo foi muito mais eficiente para memorizar o texto do que das outras vezes. desta vez resolvi elaborar um pequeno monólogo para cada fala do Dodô, um monólogo que se enquadra como um "antes", que me preenchia internamente para determinada fala. Irei transcrever um exemplo uma vez que minha letra é pouco compreensível:
Monólogo: Mas que saco! Essa assembleia não está adiantando de nada. Todo mundo fala, fala, fala, mas nada acontece! Ora, quanta gente intolerável. Eu preciso fazer alguma coisa!
Dodô: Assim dendo... Eu proponho que esta assembleia seja suspensa, em vista a adoção imediata de medidas mais enérgicas!
Fiz este trabalho para cada fala (figura 3) e percebi que este monólogo pulsionava mental e corporeamente até que eu expurgasse aquela determinada fala. Destaquei a palavra imediata porque ao escrever o texto pela primeira vez me esqueci dela, e depois que eu já havia inserido o monólogo, foi bem difícil para inserir esta palavra no meu texto, porque ela não participou da troca entre Texto Objetivo e Texto Subjetivo, esse movimento que acredito ser o ponto chave para que o monólogo e a fala interna funcionem.
(figura 3)
Mauch (2014, p. 97) defende que
"O discurso verbalizado possui um encadeamento lógico, uma vez que é para o outro. Já onde se instaura o monólogo interior não possui o mesmo encadeamento lógico. A coerência é outra, pois leva o caráter de comunicar a “identidade psíquica”. Representa, assim, os conteúdos psíquicos e os processos da mente. Moisés (1985) completa esta ideia, quando expõe que o monólogo interior não é diálogo, pois se subentende a presença virtual ou real de um interlocutor que pode ser uma personagem. O monólogo interior surge como um vazamento do recheio subconsciente no papel."
Percebemos que o monólogo possui uma essência e uma particularidade: sua subjetividade. Neste trabalho de construção do monólogo o ator (não) se vê dividido ou diante de um paradoxo: a construção de uma subjetividade do personagem que é ele. Quando lemos que "O monólogo interior surge como um vazamento do recheio subconsciente no papel" entendemos que esse subtexto escorre sobre tudo que somos, extrai tudo que temos de memória e emprestamos para um personagem. Tiramos algo do profundo de nós, depositamos na memória periférica de nós, como a corporal, nos impregnamos de estímulos, pulões e conteúdos, nos preenchemos energeticamente, encapsulamos todos esses materiais junto ao texto e em um só momento dispensamos com furor.
Às vezes acho que o trabalho do ator é súbito demais para durar tão pouco, é quase um assalto, um roubo, porque a dimensão de tempo com que o trabalho é construído não é a mesma com que todo ele é diluído em uma apresentação. O monólogo é tantos outros materiais nos aproximam tanto da nossa construção que nos apegamos, e logo, logo, aquilo não pode mais nos pertencer, precisamos nos limpar, nos renovar para uma nova elaboração.
Vamos discorrer um pouco sobre a grande e potente novidade para nós, o Viewpoints.
"Trata-se de um sistema de aprendizagem e aprimoramento do ator baseado nas incertezas, implicando num conhecimento itinerante, nômade e sem o estabelecimento de princípios totalizantes. A sua metodologia, portanto, é vista como um caminho a ser percorrido, e não como um fim em si mesma." (SILVA, 2013, p. 13)
Na prática, existe uma estrutura de Viewponts, que é um procedimento importado do balé por teatrólogos que mais tarde foram os adaptando, dentre esses, destaca-se Anne Bogart, uma diretora teatral sobre qual estudamos quase sempre em nossas aulas. Os seis viewpoints iniciais organizados pela bailarina (Mary Overlie) são: Espaço, Forma, Tempo, Emoção, Movimento e História. Ao conhecer a bailarina e os Viewpoints
"Anne Bogart, reconhece-se a capacidade que essa técnica embrionária tem de gerar movimento para cena e, assim, stabelecer princípios não psicologizantes e baseados na presença dinâmica do ator." (SILVA, 2013, p. 14)
Mais tarde,
"Anne Bogart conhece Tina Landau, a dupla aprimora os seis viewpoints, transformando-os nos atuai nove viewpoints físicos (Relação Espacial, Resposta Cinestésica, Forma, Gesto, Repetição, Arquitetura, Ritmo, Duração e Topografia) e nos viewpoints vocais (Tônus, Dinâmica, Aceleração/Desaceleração, Silêncio e Timbre)." (idem)
Vamos compreender na prática agora: primeiramente a professora distribuiu as fixas de Viewpoints, a minha foi: Gesto - Cotidiano e Dilatado - de Partes do Corpo (foco na mão, no ombro, etc...). Mas antes de executarmos a tarefa, precisamos nos preencher internamente com o monólogo. Como eu não estava em um bom dia, meu monólogo foi mesmo um desabafo que me colocou numa circunstância trágica da vida, tão trágica que aquelas palavras me fizeram chorar bastante e uma das frases que vieram à tona definiu a fisicalidade que eu usaria para o Viewpoints "eu sou minha serpente". Contudo, me esqueci que meu gesto deveria ser cotidiano e acabei me derramando na extracotidianidade.
(figura 4)
(figura 4)
Foi tão forte pra mim que agi pela pulsão-emoção e me esqueci do resto, do pouco razão necessária para lembrar da outra parte do exercício. Enfoquei numa parte do corpo e ali estatizei, no sentido de me manter estático. Fixei o olhar numa direção, sustentei o interno e o externo e fiz dos olhos da "serpente" os meus. A serpente me defendia, não queria ninguém por perto, isso aconteceu diversas vezes na ação sobre o outro (não direcionada pela professora). As pessoas agiam sobre mim e eu sobre eles. Apesar de ter feito o procedimento errado por um detalhe, foi possível fazer recortes daquela cena. Mais tarde utilizamos os nossos mesmos viewpoints em outras atividades, ele ficou como partitura, digamos, sempre a consultamos e é claro, inserindo alguns "detalhes imaginativos" como diria Stanislavski para resgatarmos a organicidade da ação física.
Para finalizar a postagem de hoje, fiquemos com o vídeo da experimentação desse procedimento:
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Referências Bibliográficas
KAHN, François. Reflexões sobre a prática da memória no ofício do ator de teatro. Tradução de Luiza Jatobá. Revista Sala Preta, ECA/USP, São Paulo, 2010.
MAUCH, Michel. Poética e Pedagogia: Maria O. Knebel e o Monólogo Interior. 2014. 146f. Dissertação (Mestrado) — Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.
SILVA, Laís Marques. Escuta-ação: Pistas para a criação do ator em diálogo com o sistema dos viewpoints. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas - Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.
Referências Bibliográficas
KAHN, François. Reflexões sobre a prática da memória no ofício do ator de teatro. Tradução de Luiza Jatobá. Revista Sala Preta, ECA/USP, São Paulo, 2010.
MAUCH, Michel. Poética e Pedagogia: Maria O. Knebel e o Monólogo Interior. 2014. 146f. Dissertação (Mestrado) — Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.
SILVA, Laís Marques. Escuta-ação: Pistas para a criação do ator em diálogo com o sistema dos viewpoints. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas - Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.
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