sábado, 18 de junho de 2016

ÚLTIMO ENSAIO DE CORPO PARA A ABERTURA

Afinal, o que estamos fazendo?


Impressionante como que, sempre que paro para discorrer sobre uma aula e começo a minha busca interior sobre o que aconteceu e consulto meu material de registro que sempre faço para facilitar as memórias, essas memórias que se costuram desejam uma estrutura especial para que sejam entendidas. As informações querem ser entendidas, eu quero ser entendido, e muitas vezes o caminho para se dizer da arte é a própria arte. Nessa aula de Corpo, que era nossa última preparação, me perguntei: afinal de conta, o que é isso? O que estamos fazendo? Um poema me invade:

A CENA DE DENTRO
Allan Maykson

Afinal de contas 
O que é que estamos fazendo?
Poetando o nosso veneno
Dando corpo ao medo interno
Acessando o nosso inferno
A lástima do efêmero. 
Estamos perdendo a razão 
Que freia a nossa ação 
Que encolhe o potencial
Nos afasta do eu-animal.
Não somos bichos-racionais 
Nós somos feras mortais 
De histórias que não morrem 
De ousadias que não correm 
De sonhos que não dormem. 
O que é que estamos fazendo? 
Estamos matando e morrendo 
Estamos cuspindo e bebendo 
Diminuindo e crescendo 
Ferindo e sofrendo 
Nos atingindo e vivendo 
Nos cegando e vendo 
No teatro de fora 
Que é a cena de dentro.

18 de junho de 2016

      Tecnicamente falando, trata-se de um work in progress, trabalho em progresso para a nossa língua materna, é um termo muito utilizado na cultura cênica dirigindo-se às apresentações teatrais que não são necessariamente uma peça, o cênico. 

    Reservamos esse último ensaio para alinharmos a partitura dessa performance, por isso não entrarei em detalhes a respeito da descrição da aula, primeiramente porque já descrevi nos blogs passados, depois quero me dedicar às impressões tantas que esses momentos de construção descontroem internamente.

      É natural no decorrer do blog eu citar a íntima relação entre o interno e as externalidades, esses dois estímulos, esses dois mundos. Stanislavsksi chama essa relação de “psicofísica”. No trabalho de Zaltron (2010, p. 3) encontramos uma preciosa e clara citação que elucida esse termo: 

     “Com relação à psicotécnica defendida por Stanislávski para o trabalho do ator, Maria Knébel afirma que “(...) não pode haver uma ação física separada do psíquico. Stanislávski dizia que entre uma ação cênica e a causa que a provoca existe uma união indissolúvel; a ‘vida do corpo humano’ e a ‘vida da alma humana’ formam uma completa unidade” (1996, p.18).” 

       O “Plastic Body” ou Corpo Plástico, nada mais é do que um diálogo com uma fala externa (os poemas) que evocam e provocam os nossos sentidos a um movimento interno ininterrupto. O poema é o material através do qual fazemos a extração de sentimentos que traduzimos no corpo, contudo, vale lembrar que este não foi o único dispositivo de absorção, o tambor ou surdo também foi um elemento pulsante e claro, a voz extra-cotidiana pela qual o poema foi externalizado era material estimulante para os conteúdos internos que cresciam e apareciam no decorrer do processo. 

   Na minha postagem "Poemas análogos, ações equivalentes" (http://intrateatro.blogspot.com.br/2016/05/poemas-analogos-acoes-equivalentes.html), procurei responder à minha indagação: afinal, o que justificaria a simbiose de um coral no trabalho atoral?" e em síntese, respondi com hipótese de que, os poemas traziam conteúdos íntimos, muito subjetivos e até mesmo pesados, os nossos medos, os nossos monstros, logo, havia uma energia comum que nos circundava, em estado de mente dilatada, como advoga Barba, estamos prontos para enquadrar as insurgências. Quero defender nesse parágrafo que a relação, o diálogo, a conversa, o encontro entre essas duas realidades paralelas se tensionava o tempo todo, desse atrito surgia a ação física que só é possível quando imbricada de conteúdos internos.

       No vídeo abaixo, intitulado "Angst - teatro físico", percebi uma visualidade de conteúdos internos que davam sentido à ação. Certamente essa performance pode me fazer entender com mais exemplos. 


     Latine (2013) também cita Stanislavski para dizer que 

“...em cena é necessário agir, não importa se exterior ou interiormente. Tudo o que acontece em cena tem um objetivo definido. No teatro, toda ação deve ter uma justificativa interior, deve ser lógica, coerente e verdadeira e, como resultado final, temos uma atividade verdadeiramente criadora”.


  Essa comunicação sempre vai acontecer, e especificamente nesse trabalho, toda apresentação vai ser diferente por diversos fatores: cada vez que se lê o poema, percebe-se que cada um se empodera do seu poema, esse empoderamento modifica completamente a voz com a qual este será lido, esse tônus vocal, essa plasticidade vocal vai nos atingir, vai atingir a quem está executando os sons com o surdo, e o som do surdo nos atinge de maneira indizível. O surdo nos leva à nossa natureza mais pura, à nossa ancestralidade, o surdo despertava em nós o primitivo, deveras, em nossas raízes, em nossas veias, em nosso inconsciente coletivo, na nossa essência, os sons sacrificiais¹ ecoam em nossas entranhas e nos põem em contato com quem de nós mesmos não damo-nos conta de que existe.



        No final da aula, partindo da ideias de algumas amigos, propus à turma que déssemos um feedback a respeito dos dispositivos e acontecimentos que contribuíram ou não para a organicidade coral da performance. Muitos pontos positivos foram colocados, como a intensidade do Campo de Visão do Eduesley, a suavidade do mesmo dispositivo na liderança de Diogo, a veracidade e poder do poema de Thais Camburizinha com a expansão vocal na frase "joga fora no lixo"; o choque dos campos de visão liderados por Alberto e Mari, foi uma choque e uma relação de visualidades perceptivelmente incrível, eu queria ser espectador nesse momento; um ponto fundamental, a sensibilidade do Caio no surdo, dialogando com a nossa maneira de dizê-lo, foi pulsional; a questão de logística de cena com a visão de diretor que o Adriano já tem bem aguçada, enfim, percebemos quantas externalidades nos afetam a ponto de nos invadir e provocar incidências.

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Notas

¹Alusão ao capítulo "Som e Sacrifício" da obra de José Miguel Wisnik "O som e o Sentido".

Referências Bibliográficas

LATINE, Jaq. O manual do ator de Stanislavski. 2013. Disponível em: <https://aodcnoticias.blogspot.com.br/2013/08/o-manual-do-ator-de-stanislavski.html> Acesso em: junho/2016.


ZALTRON, Michele Almeida.,2010. A imaginação no método das ações físicas de K. Stanislávski. Programa de Pós-Graduação em Ciência da Arte – UFF.




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