Sobre as aulas de teatro no Espaço Cult, Vila Velha
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O mês de agosto chegou com novos gostos, um sabor híbrido entre passado e presente, que justapõe dois períodos tão diferentes da minha vida em que eu lidava com um público bastante peculiar: os adolescentes.
Durante este mês assumi as aulas de Teatro do Espaço Cult, em Vila Velha – ES, e me deparei uma vez mais com a enérgica fase da adolescência, quando tudo acontece, as primeiras crises avassaladoras, os primeiros sofrimentos terríveis, os grandes amores platônicos, a instigante curiosidade de explorar o mundo, a pertinente teimosia, e sobretudo, uma vontade ardente de construir um mundo sob a própria perspectiva.
Em 2012 também lidei com centenas de adolescentes de uma escola em minha cidade natal, Linhares, norte do Espírito Santo, e minha função sempre esteve atrelada ao bem estar das crianças e à arte. Hoje entendo melhor que na verdade sempre foi o afeto. E continua sendo.
Desde quando me mudei para Vila Velha (em 2016), deixei o público mais velho e precisei me aventurar do universo colorido da infância. Embora eu já fosse contador de estórias antes desse período e já lidasse com a Educação Infantil, ainda não tinha sido professor de criancinhas. Estamos em 2019, e pela primeira vez, entre a última semana de julho e durante todo o mês de agosto, dividirei a atenção com meus mais novos adolescentes, que estão construindo tão cedo sua jornada enquanto artistas.
Quando Gabriella Saadi me convidou para desenvolver uma aula experimental, eu imediatamente aceitei, mas adverti sobre minha insegurança. Sim! Insegurança. Durante anos lidando com adolescentes e só porque fiquei alguns anos sem lidar diretamente com eles já me vi inseguro?!
No campo das Artes Cênicas, a insegurança é um dom. Preocupante seria se sentisse demasiadamente seguro e não conseguisse afetar. Porque afeto para ser afeto, precisa ser do mesmo tamanho que todo mundo.
Preparei uma aula enorme e cheia de cartas na manga, caso não desse tempo de executar todas as etapas da minha proposta, mas a verdade é que faltou tempo, porque tudo correu muito fluidamente. O afeto nos afetou e as coisas foram se ajeitando, o nervosismo passando, sobrava espaço para risos, para diversão, trocas e no fim muitos abraços.
A SEGUNDA AULA – 07 de agosto de 2019
Propus o aquecimento das articulações fazendo movimentos circulares nas regiões dos pés, joelhos, bacia, tórax, ombros, antebraços, baraços, mãos, dedos e cabeça e como regra tivemos a pesquisa pessoal com o repertório criado a partir do movimentos desenhados no aquecimentos.
Percebi que durante a pesquisa pessoal os alunos começaram a experimentar outras ações, ora dilatando mais o corpo potencializando os movimentos do aquecimento, ora desdobrando-os em movimentos outros que fluidamente iam levando o corpo a sair do lugar e percorrer o espaço.
Percebendo o envolvimento da maioria com suas ações, orientei a explorarem o espaço cênico mantendo sempre os joelhos entredobrados a fim de facilitar a mobilidade e gerar um corpo orgânico e sem nenhum traço ou desenho do corpo cotidiano.
Em alguns minutos de pesquisa pessoal investigando as ações do aquecimento, os alunos já exploravam o espaço por completo, variando ritmo, tônus, planos (alto, médio baixo). A concentração em investigar esse corpo me levou a introduzir uma material interno que não estava nos meus planos – muito menos no de aula (risos): a Visualização. A visualização consiste, resumidamente, em ver algo que apenas o ator vê. Ele cria uma imagem internamente, desloca para o externo mentalmente e de alguma forma tal imagem gera impulsos, ações, tônus, interações.
Expliquei sobre a visualização rapidamente enquanto investigavam o corpo, e pedi: imaginem bolhas de sabão. Vamos estourá-las. Em seguida pedi que imaginasse balões de soprar cheios, e que estourassem com agulhas. Mais tarde pedi que empurrassem o ar e que visualizassem algo pesado, maior que eles.
Alguns conseguiam transmitir os efeitos da visualização para o corpo inteiro, outros faziam ações mais periféricas e desconexas do restante do corpo, mas alcançar um corpo integral demanda prática e sobretudo bastante consciência.
Para desdobrar o material interno Visualização e se fazer o conceito do mesmo, orientei que cada um visualizasse alguém de quem sente saudade e que assim, fosse eu seu encontro, lá no fim da sala.
Este, certamente, foi momento em que todos perceberam a potência da Visualização na prática e a força cênica que este recurso movimenta. Uma aluna se sensibilizou e chorou porque colocou em cena uma pessoa que já não estava mais entre nós. Daí surgiu a conversa sobre a Potência dos Afetos e relembrei sobre o que disse em nosso primeiro encontro, no último dia de julho:
Nós atores somos uma escavação, um garimpo... O trabalho cênico nos leva a cavar esse extenso terreno-nós, esse vasto campo-eu, esse quintal-gente, único. Extraímos desse valioso terreno pessoal, pedacinhos de nós, como pedras brutas que escondem um diamante... toda aula de teatro é uma nova descoberta sobre nós mesmo, sobre como reage nosso corpo frente aos estímulos, como o conteúdo que passa sobre nossos sentidos reverberam dentro de nós, quais os limites do meu corpo num procedimento cênico, quais os meus gostos, o que me afeta e o que não me afeta; como eu lido com erro, com a perda, com falta de palavra, com a criatividade ainda pouca (porque aprende-se a ser criativo). É como se fôssemos uma cartola e também o mágico, que retira a cada hora, uma surpresa.
Os materiais internos normalmente estarão ligados a uma memória afetiva, porque estará imbricada de conteúdos marcantes da nossa história, mas não é regra, é possível visualizar tudo e assim, deixar que o corpo possa esculpir sua expressão.
A palavra que resume o encontro de hoje para mim é FLUIDEZ. Vi os corpos mudarem de uma regra para outra sem quebrar a ação. Vi potência nos desenhos que se metamorfoseavam e desenhavam corpos extra-cotidianos ricos em poética cênica.
Uma delícia voltar a provar energia vibrante da adolescência.
Até a próxima aula!
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Allan Maykson é ator, encenador, professor, músico, poeta, compositor, pedagogo, arteterapeuta e graduado em Artes Cênicas; pesquisador em Teatro com ênfase na interface Arteterapia, Educação e Autismo. Tem como pesquisas basilares o Intrateatro (que dá nome à sua CIA teatral) e a Poética da Catarse. Atualmente desenvolve uma pesquisa com autistas que consiste em arte e afeto pela busca do que ele denomina de Micro-conexão. É Gestor Pedagógico de uma instituição de ensino privada e exerce ativamente seu lado artístico como professor, performer e produtor.
Instagram: @allanmayksonlongui | @projetopalcoazul | @leonardosauvignon
Currículo Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K8044872Z0
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